sábado, 10 de julho de 2010

Síntese da Amônia, a Descoberta que Mudou o Mundo

Se alguém lhe pedir para citar as dez ou mesmo as cem descobertas científicas mais importantes do século 20, você provavelmente não se lembrará do processo de síntese da amônia. Essa descoberta, contudo, é de enorme importância e foi determinante para configurar a situação econômica e ambiental existente atualmente em nosso planeta.
 Embora o nitrogênio seja um componente majoritário da atmosfera terrestre – responde por cerca de 78% de sua composição –, ele está presente apenas na forma gasosa N2 , incapaz de ser aproveitada diretamente pela imensa maioria dos seres vivos. Por isso, estes se tornam dependentes da atividade de organismos como algumas espécies de bactérias capazes de captar o N2 atmosférico e fixá-lo em compostos químicos utilizáveis pelos seres vivos.
Dentre esses compostos, destaca-se a amônia, formada por um átomo de nitrogênio e três de hidrogênio. Essa molécula pode ser transformada em nitritos e nitratos, essenciais para a produção tanto dos fertilizantes nitrogenados quanto de explosivos e armamentos.
Há cem anos, em 13 de outubro de 1908, o químico alemão Fritz Haber (1868-1934) deu um grande passo para solucionar o problema da fixação do N2 atmosférico em amônia sem precisar da ação de outros organismos. Em grandes linhas, Haber criou uma forma de reagir o N2 com hidrogênio na presença de ferro em temperaturas e pressões elevadas.

Fritz Haber (1868-1934), Prêmio Nobel de Química, em 1918, por ter desenvolvido um método eficaz de síntese da amônia.


 AMÔNIA: OBTENÇÃO E USO

A amônia (NH3) é um dos produtos químicos mais importantes para o ser humano, sendo uma das cinco substâncias produzidas em maior quantidade no mundo.
Sua importância está relacionada ao seu uso direto como fertilizante e por se constituir matéria-prima para a fabricação de outros fertilizantes nitrogenados. A amônia também é utilizada na produção de explosivos de plásticos.
Em 1898, Sir William Ramsey (1852-1916) – o descobridor dos gases nobres – previu uma catástrofe para a humanidade: a escassez de fertilizantes nitrogenados para meados do século XX, o que provocaria uma redução desastrosa na produção de alimentos em todo o mundo. Na época, o nitrogênio era obtido de depósitos naturais de nitratos de sódio (NaNO3) e potássio (KNO3) ou de excrementos de aves marinhas (guanos).
A catástrofe prevista por Ramsey não ocorreu graças ao trabalho de dois alemães: o químico Fritz Haber (1868-1934) e o engenheiro William Carl Bosch (1874-1940). Eles criaram um processo no qual conseguiram sintetizar a amônia a partir de seus elementos constituintes.

A reação de síntese da amônia foi desenvolvida pelos alemães Fritz Haber (esq.) e Carl Bosch (dir.), Nobel de Química de 1918 e 1931

O processo criado por Haber permitiu que a Alemanha reduzisse consideravelmente o custo de fabricação de explosivos durante a primeira guerra mundial.
Ele observou que a amônia, por oxidação, produz o acido nítrico – essencial para a produção de pólvora. Apesar dos serviços prestados à pátria, Haber, por ser judeu, foi perseguido pelos nazistas, tendo de fugir da Alemanha, em 1933, para não ser morto por seus compatriotas.
O alemão acreditava que o processo por ele desenvolvido poderia trazer uma importante contribuição para o desenvolvimento agrícola do planeta, substituindo a necessidade de utilização de nitrogênio reativo retirado a partir de reservas naturais, como o guano peruano, o salitre chileno e o sal amoníaco extraído do carvão. Ele esperava ainda que esse método pudesse ser empregado com fins militares, de forma a garantir a segurança de seu país.
Posteriormente, outro químico alemão, chamado Carl Bosch (1874-1940), continuou o trabalho de Haber e conseguiu implementar o uso da síntese de amônia em escala industrial. Por esses feitos, Haber recebeu o Nobel de Química em 1918, e Bosch, em 1931. A forma como essa reação marcou a história do século 20 foi tema de um artigo publicado esta semana na revista Nature Geoscience pelo grupo de Jan Willem Erisman, do Centro de Pesquisa Energética da Holanda.
A equação e a figura a seguir mostram a reação de obtenção de amônia e as condições industriais nas quais ela ocorre:


Temperatura: 400 a 600 °C.
Pressão: 140 a 340 atm.
Catalisador: FeO com pequenas impurezas de Al2O3, MgO, CaO e K2O.



Introduz-se a mistura gasosa N2 e H2 no reator e, após o estabelecimento do equilíbrio, essa mistura é transferida para um condensador, onde o NH3 liquefeito é retirado rapidamente do sistema. A parte da mistura de N2 e H2 que não reagiu é levada novamente para o reator, repetindo-se o processo. No mercado internacional, o preço da amônia está na casa dos US$ 150.00 (cento e cinqüenta dólares) por tonelada.

A partir dessas informações e conhecendo o Principio de Le Chatelier, podemos prever as condições que favorecem a produção de grandes quantidades de NH3:
a) Baixas temperaturas: Como a reação é exotérmica, a diminuição da temperatura provoca um deslocamento de equilíbrio para a direita.
b) Altas pressões: O aumento de pressão provoca contração de volume, o que desloca o equilíbrio para o lado direito, ou seja, para o lado de menor volume.
c) Remoção do NH3 formado: Quanto mais intensa e rápida for a retirada do NH3, mais intensamente o equilíbrio será deslocado para a direita.
d) Catalisador: Embora o catalisador não desloque o equilíbrio, ele aumenta a velocidade das reações, permitindo que o equilíbrio seja alcançado mais rapidamente.

No processo de Haber – Bosch, a amônia é produzida a altas temperaturas, o que aparentemente contraria o Principio de Le Chatelier. Mas essa aparente contradição pode ser explicada.
Teoricamente, a altas pressões e à temperatura ambiente, o rendimento da síntese da amônia é de 90%, porem, nessas condições, a reação é muito lenta e o tempo necessário para atingir o equilíbrio é tão grande que os custos de produção tornariam o processo economicamente inviável.
A reação, então, é realizada a altas temperaturas, o que aumenta a sua velocidade e, portanto, diminui consideravelmente o tempo necessário para alcançar o equilíbrio.

A foto mostra o primeiro reator utilizado na síntese de Haber-Bosch, realizada em 1913 pela Badische Anilinin und Soda Fabrik (BASF)

A 500 e 200 atm, embora o rendimento da reação seja de apenas 20%, o equilíbrio é alcançado em menos de 1 minuto. Se a elevação da temperatura diminui o rendimento da reação, os outros fatores que a favorecem – a pressão, o catalisador e a retirada rápida da amônia produzida – deslocam o equilíbrio no sentido de aumentar a produção de amônia, viabilizando economicamente esse processo.


EXPLOSIVOS E ALIMENTOS
 

O processo desenvolvido por Haber-Bosch forneceu à Alemanha um grande suprimento de amônia suficiente para que o país se tornasse independente de seus fornecedores habituais. Com isso, esse composto e seus derivados, como o ácido nítrico, poderiam ser empregados para produzir explosivos como a nitroglicerina e o trinitrotolueno (TNT).
Acredita-se que isso tenha impedido uma vitória mais rápida das Forças Aliadas na Primeira Guerra Mundial, ampliando os efeitos devastadores desse conflito. Estimativas indicam que entre 100-150 milhões de mortes em conflitos armados durante o século passado possam estar diretamente relacionadas com uso do processo desenvolvido por Haber-Bosch.



Ataque francês à infantaria alemã na região de Champagne em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial. Estima-se que a descoberta da síntese da amônia tenha retardado a derrota das forças alemãs nesse conflito.


Por outro lado, a síntese de amônia desenvolvida por Haber-Bosch proporcionou a produção em escala mundial de fertilizantes nitrogenados, aumentando a produtividade da agricultura em grande parte do planeta. Atribui-se à síntese da amônia um aumento de 30 a 50% da produção agrícola. Com isso, os fertilizantes nitrogenados garantiram a sobrevivência de mais de um quarto da população mundial durante o século 20.
A importância desses fertilizantes nitrogenados tem se ampliado nos últimos anos. Estima-se que, atualmente, cerca de metade da humanidade tenha a sua subsistência alimentar associada com o processo de fixação de nitrogênio desenvolvido por Haber- Bosch. 


IMPACTO AMBIENTAL


Os benefícios dessa reação, no entanto, têm como contrapartida uma série de efeitos nocivos ao meio ambiente. Em 2005 cerca de 100 milhões de toneladas de nitrogênio foram utilizadas globalmente na agricultura, mas apenas 17% desse volume foram consumidos pela humanidade na forma de alimentos, incluindo carne e laticínios. Essa eficiência extremamente baixa do uso de nitrogênio na agricultura representa um importante fator de risco para o meio ambiente.
Cerca de 40% do nitrogênio usado em fertilizantes e desperdiçado por práticas agrícolas incorretas retorna à sua forma atmosférica não reativa. Apesar disso, a maior parte desse elemento químico acaba por contaminar os ambientes terrestres e aquáticos e a atmosfera, o que contribui para diminuir a biodiversidade. O nitrogênio perdido altera ainda o balanço dos gases do efeito-estufa, influencia o ozônio atmosférico, acidifica o solo e estimula a formação de material particulado na atmosfera.
Esses impactos ambientais podem e devem ser minimizados com intervenções para aumentar a eficiência do uso de fertilizantes e para aumentar sua conversão ao N2 atmosférico. Além disso, devem ser desenvolvidos métodos que permitam um tratamento mais eficiente dos resíduos nitrogenados produzidos pelos seres humanos e animais por eles criados.

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